sexta-feira, 29 de março de 2013


Costumes da Bíblia - A origem da Páscoa


Festa original simboliza a passagem bíblica em que o anjo da morte poupou os primogênitos judeus no Egito, mas ganhou novo significado para os cristãos


“Pela fé celebrou a páscoa e a aspersão do sangue, para que o destruidor
dos primogênitos lhes não tocasse.”
Hebreus 11:28

Para os cristãos, a Páscoa é a celebração da ressurreição de Jesus, comemorada no fim do primeiro quadrimestre de cada ano. Na mesma época, os judeus comemoram a sua Páscoa, o Pessach – ou Passover, para as culturas anglófonas. É comum muita gente pensar que a festa celebra a passagem dos hebreus pelo deserto rumo à Terra prometida, como narrado em Êxodo. Porém, o verdadeiro significado da data é lembrar a passagem bíblica em que, em uma das pragas infligidas contra o Egito, Deus envia um anjo que mataria todos os primogênitos do Egito, mas pouparia os das famílias judias que marcassem as portas de suas casas com sangue de um cordeiro sacrificado. A ordem divina previa que o fato fosse comemorado após aquele ano, para sempre:

“E eu passarei pela terra do Egito esta noite, e ferirei todo o primogênito na terra do Egito, desde os homens até aos animais; e em todos os deuses do Egito farei juízos. Eu sou o SENHOR.

E aquele sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes; vendo eu sangue, passarei por cima de vós, e não haverá entre vós praga de mortandade, quando eu ferir a terra do Egito.

E este dia vos será por memória, e celebrá-lo-eis por festa ao SENHOR; nas vossas gerações o celebrareis por estatuto perpétuo.”
Êxodo 12:12-14


A confusão é compreensível, pois logo após vêm os 7 dias da Festa dos Pães Ázimos (Chag haMatzot, no hebraico) – essa sim, para comemorar a saída do Egito para a liberdade. Por serem muito próximas, as datas passaram a ser comemoradas quase como uma só, compondo o Pessach e seus preparativos.

“Sete dias comereis pães ázimos; ao primeiro dia tirareis o fermento das vossas casas; porque qualquer que comer pão levedado, desde o primeiro até ao sétimo dia, aquela alma será cortada de Israel.

E ao primeiro dia haverá santa convocação; também ao sétimo dia tereis santa convocação; nenhuma obra se fará neles, senão o que cada alma houver de comer; isso somente aprontareis para vós.

Guardai pois a festa dos pães ázimos, porque naquele mesmo dia tirei vossos exércitos da terra do Egito; pelo que guardareis a este dia nas vossas gerações por estatuto perpétuo.”
Êxodo 12:15-17

Conforme exposto em Êxodo, antes da décima praga egípcia – a morte dos primogênitos –, Moisés foi instruído por Deus a mandar cada família hebreia sacrificar um cordeiro, usando seu sangue para marcar os umbrais das portas de suas casas. Nos lares marcados, o anjo executor passaria sobre ele, sem entrar para matar os primogênitos dos humanos e dos animais da propriedade, daí a ideia de “passagem” no nome da festa – a mesma do inglês Passover: “passar sobre”, dando a mensagem de “passar direto”.
Chegada a noite anunciada, a família cearia, comendo a carne do cordeiro com pães ázimos e ervas amargas. O costume se manteve por muitas eras, adaptados hoje à vida moderna das famílias dos judeus.

“Não comereis dele cru, nem cozido em água, senão assado no fogo, a sua cabeça com os seus pés e com a sua fressura.

E nada dele deixareis até amanhã; mas o que dele ficar até amanhã, queimareis no fogo.

Assim pois o comereis: Os vossos lombos cingidos, os vossos sapatos nos pés, e o vosso cajado na mão; e o comereis apressadamente; esta é a páscoa do SENHOR.
Êxodo 12:9-11

O fermento tem uma conotação de pecado, mas a ausência dele no pão também tem um significado prático: a pressa. A fermentação da massa leva certo tempo (às vezes de um dia para o outro), e Deus já estava preparando seu povo para a vida itinerante no deserto, em que tempo para os afazeres diários seria algo raro, bem contado. Uma massa sem fermento não precisaria do tempo da levedação, e poderia ser rapidamente assada.
Preparativos
Para a Páscoa judaica, os preparativos são muitos desde os tempos neotestamentários, quando a festa, junto com a dos Pães Ázimos, tornou-se uma grande celebração da primavera do Hemisfério Norte, comemorando também as colheitas. As estradas e entradas das cidades eram consertadas, pois era comum que as famílias se reunissem e muita gente viajasse. As casas também recebiam os mesmos cuidados, pois receberiam muitos hóspedes. Os utensílios de cozinha eram minuciosamente limpos, ou mesmo comprados novos. Hoje, há famílias que têm louças e pratarias especiais para a data.
As pessoas vestiam suas melhores roupas e se preparavam como se fossem sair para uma viagem – mais uma alusão ao êxodo que aconteceria pouco depois no acontecimento original.
O fermento era excluído da dieta nos dias da festa, e não devia haver nem um pouco dele em qualquer parte da casa, após rigorosa inspeção do chefe de família. Carneiros ou cabritos eram comprados e levados ao templo (como também era feito antes, no Tabernáculo) para sacrifício, geralmente um animal para cada 10 ou 12 pessoas.  A gordura era queimada, o sangue oferecido no altar e as carcaças limpas eram penduradas, esperando que as famílias que as levaram fossem buscá-las, levá-las para casa e assá-las em espeto feito com madeira de romãzeira, para compor a ceia pascal – o Sêder. Até hoje, faz parte do cardápio o charoseth, uma espécie de chutney, de sabor picante e bem ativo, comido com a carne (sempre e somente assada) do carneiro e os pães. Ovos cozidos também fazem parte do cardápio, o que explica a presença de seus similares em chocolate na cultura atual.

No Sêder, cada alimento segue um simbolismo. Prepara-se a mesa da seguinte forma:
- No centro de uma bandeja são colocados três pães ázimos (ou asmos), que representam os três grupos de judeus: Cohanim, Leviim e Israel.
- O Zeroá, um pedaço de osso do cordeiro ou cabrito, que se coloca na parte superior, à direita da bandeja, e simboliza o poder com que Deus tirou os hebreus do Egito, além do próprio cordeiro pascal sacrificado no Templo.
- O Betsá, um ovo cozido, na parte superior à esquerda da bandeja, uma lembrança do
sacrifício que se oferecia em cada festividade (e outro simbolismo: quanto mais se cozinha um ovo, mais duro se torna, uma alusão ao povo judeu: quanto mais é
oprimido ou afligido, como ocorreu no cativeiro, mais forte se torna).
- O Marór, uma erva amarga, também no centro da bandeja, que simboliza o sofrimento dos escravos judeus. Pode ser usada qualquer verdura bem amarga.
- O já citado Charoseth, uma mistura de nozes, amêndoas, tâmaras, canela e vinho, colocada na parte inferior à direita da bandeja. Representa a massa de argila com a qual os judeus escravos trabalhavam na construção das obras dos egípcios.
- O Karpás, um aipo (ou salsão) posto embaixo, à esquerda. Molhado em vinagre ou salmoura, lembra o hissopo (Ezov) com o qual os israelitas aspergiram um pouco de sangue nos batentes de suas casas, antes da praga dos primogênitos.
- O Chazéret, uma porção de escarola, colocada sob o Marór.
- Também coloca-se na mesa um recipiente com água salgada em que se mergulham as verduras, lembrando o mar, e uma taça para cada um dos presentes.
Cada alimento do sêder é consumido seguindo-se uma ordem pré-estabelecida, com suas respectivas orações, agradecendo a Deus pela libertação de seu povo.
Conexão com a própria história
O chefe da família respondia a perguntas feitas pelo membro mais novo da mesma a já ter entendimento, capaz de falar. O pequeno indagava, após ensaio, sobre as principais passagens da saída do cativeiro egípcio, em uma espécie de entrevista, e o “entrevistado” contava toda a história, com a atenção de todos os presentes. Graças eram dadas a Deus com taças (sempre novas) de vinho, e o pão ázimo era a única coisa comida na semana seguinte (a Festa dos Pães Ázimos) – o costume mudou para algumas correntes judaicas, e alguns evitam somente o fermento, não restringindo tanto a dieta.
Hoje, os judeus que não têm tempo para fazer os pães ázimos costumam comprá-los prontos, geralmente de padarias, mercearias e supermercados devidamente certificados pelos rabinos. Em Israel e em comunidades judaicas ao redor do planeta, judeus pobres recebem as cestas de Pessach, para que não fiquem sem realizar a ceia. Também é comum que os primogênitos jejuem na véspera do Sêder, lembrando os filhos poupados na praga egípcia. Os alimentos fermentados podem ser guardados, ao invés de jogados fora, como se, simbolicamente, tivessem sido vendidos a não judeus – e após as festas, podem ser consumidos normalmente.
O principal intuito da festa, além da adoração a Deus, é religar o povo judeu todos os anos à sua própria história, sua liberdade. No âmbito cristão, a liberdade também dá o tom: Jesus, ressuscitado, libertou aqueles que estavam em poder do pecado, desligados de Deus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário